INTRODUÇÃO
Magníficos um dos objetivos para a exploração das situações aqui apresentadas é o de, a partir delas, refletirmos sobre um conjunto de questões que nos permitam no final, compreender o que é a ética e qual é a sua necessidade. Assim, após a leitura das situações, analisem as seguintes questões:
Porque consideramos uma ação correta ou incorreta? Que justificação temos para considerar uma ação moralmente correta ou incorreta? Há algum critério que nos possa ajudar a julgar/avaliar determinada ação? Que critério pode ser esse? Podemos transformá-lo numa teoria? O que defenderia essa teoria? Qual será a importância de estudar essa ou outra teoria? Tudo isto representa uma área importante da Filosofia que dá pelo nome de ÉTICA. Qual é a importância de estudar ética?
Há quem considere que não é necessário pensar em qualquer justificação moral para o que fazemos ou para aquilo que observamos. Dizendo simplesmente que não há qualquer necessidade da moral ou da ética pois no campo dos valores tudo é subjetivo ou relativo.
Portanto, aceitar esta tese significa defender que tudo tem o mesmo valor e deste ponto de vista, não podemos afirmar que uma ação é melhor que outra. Ou que uma ação tem valor moral e outra não. Aceitar esta tese é ficar com um problema: o que fazemos com as nossas crenças morais? O que fazemos com os nossos princípios éticos?
Haverá um ponto de vista ético das coisas? Em que consiste esse ponto de vista ou como se caracteriza? Será um ponto de vista que tenha apenas em conta os meus interesses? Ou os interesses dos outros e os meus? A ética pretende ser universal? A ética pode ser o ponto de vista de um observador ideal e imparcial? E que temas aborda a ética? Qualquer tema pode ser um problema ético?
Situação 1.
Jorge acabava de saber que a sua grande amiga Joana tinha sido enganada pelo namorado. Ele tinha visto o namorado da Joana com outra rapariga na festa de final do período, festa à qual a Joana não pôde ir. Para o Jorge isto era inaceitável. Iria contar à sua grande amiga o que viu pois não suportava a mentira.
Jorge era um rapaz cheio de princípios. Pelo menos era o que a mãe dele dizia às vizinhas quando falava do seu filho. Considerava o filho como um rapaz de boas intenções. Dava esmola a quem pedia porque considerava que qualquer pessoa naquela circunstância devia sempre ajudar o próximo e não apenas para exibir-se perante os outros.
Era também um rapaz que levava a sério a palavra de honra. Jorge acreditava que nunca devíamos mentir fosse em que circunstância fosse. Os amigos consideravam-no muito exigente. Dado que tinha já decidido, Jorge contou à Joana o que tinha visto na festa do final do período. Para o Jorge, a amizade significa isso mesmo. Em qualquer circunstância temos o dever, a obrigação de contar aos amigos sempre a verdade. Portanto, para o Jorge não lhe passava pela cabeça omitir o que tinha visto. Contou então à Joana o que viu naquele dia na festa. A Joana ficou muito transtornada, não conseguiu suportar a verdade e acabou por tomar uma caixa de comprimidos. Foi parar ao hospital. Salvou-se mas a família e a própria Joana apanharam um grande susto.
Situação 2.
A praia estava cheia de pessoas naquele dia. Fazia muito calor e portanto apetecia estar ao pé do mar. Três jovens raparigas de 17 anos estavam no mar a tomar banho. Entretanto, Mário e os amigos tinham acabado de estender as toalhas na areia. Mário adorava «dar nas vistas» era aquilo que se costuma designar por um rapaz “convencido”. Já tinha reparado nas jovens que tomavam banho. Elas tinham-se afastado um pouco demais para uma praia que não tinha nadador salvador.
De repente, uma das raparigas fica em perigo e pede socorro; na tentativa de ajudar as outras duas jovens tentam puxá-la mas acabam também elas por ficar em apuros. «É esta a oportunidade», pensa Mário para com os seus botões. Pode tornar-se um herói e ser reconhecido como o salvador por toda a gente na praia, incluindo as jovens. Mesmo não sabendo nadar muito bem, Mário acaba por lançar-se à água imaginando já a sua chegada- aclamado por toda a gente. Consegue salvá-las num golpe de sorte. Transforma-se num herói em poucos momentos e ainda salva as jovens. Já ganhei o dia pensa o Mário.
QUESTÕES PARA EXPLORAR AO LONGO DAS AULAS:
- Que problema filosófico está em causa nas duas situações apresentadas? Formula o problema de forma clara procurando explicar o que está em causa nas duas situações.
- Formula alguns problemas éticos?
- Relativamente à questão 1 que respostas dão ao problema as teorias que surgem mais abaixo.
I. O UTILITARISMO DE STUART MILL ( clica em cima do nome)
Texto 1
A doutrina que aceita como fundamento da moral a utilidade, ou o princípio da maior felicidade, defende que as acções são correctas na medida em que tendem a promover a felicidade [bem estar], e incorrectas na medida em que tendem a gerar o contrário da felicidade. Por felicidade entendemos o prazer, e a ausência de dor; por infelicidade, a dor, e a privação de prazer. Para dar uma perspectiva clara do padrão moral estabelecido pela teoria é preciso dizer muito mais; em particular, que coisas se inclui nas ideias de dor e prazer; e até que ponto isto é deixado como questão em aberto. Mas estas explicações suplementares não afectam a teoria da vida na qual esta teoria da moralidade se baseia nomeadamente, que o prazer, e a ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como fins; e que todas as coisas desejáveis (…) são desejáveis ou pelo prazer inerente a si mesmas ou como meios para promoção do prazer e a prevenção da dor.
John Stuart Mill (2005) Utilitarismo. Trad.. Pedro Galvão. Porto Editora, p. 50-54
Texto 2
A felicidade que constitui o padrão utilitarista do que está correcto na conduta não é a própria felicidade do agente, mas a de todos os envolvidos. O utilitarismo exige que o agente seja tão estritamente imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros como um espectador desinteressado e benevolente.
(…) O motivo nada tem a ver com a moralidade da acção, embora tenha muito a ver com o valor do agente. Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente correcto, quer o seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo; quem trai a confiança de um amigo, é culpado de um crime, ainda que o seu objectivo seja servir outro amigo para com o qual tem deveres ainda maiores.
John Stuart Mill (2005) Utilitarismo. Trad. Pedro Galvão. Porto Editora, p. 67-68
II. A DEONTOLOGIA DE I. KANT (clica em cima do nome)
Texto 1
(…) o valor moral da ação não reside, portanto, no efeito [consequência] que dela se espera. Por conseguinte, nada senão a representação da lei [moral] em si mesma, (…) enquanto é ela, e não o esperado efeito, que determina a vontade, pode constituir o bem excelente a que chamamos moral (…) Não pode residir em mais parte alguma senão no princípio da vontade [na intenção], abstraindo dos fins que possam ser realizados por tal vontade”.
Mas que lei pode ser então essa, (…) mesmo sem tomar em consideração o efeito que dela se espera, tem de determinar a vontade para que esta se possa chamar boa absolutamente e sem restrição? (…) devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal.
Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, Edições 70, p. 31-33
Texto 2.
Cada ação pode ser descrita como uma ação de um certo tipo. Se ajudas alguém, podes conceber o que fazes como um ato de caridade. Neste caso, ages segundo a máxima de que deves ajudar os outros. Mas tens outras alternativas: quando forneces a ajuda talvez estejas a pensar que essa é uma maneira de fazer o beneficiário sentir-se em dívida para contigo. Neste caso, a máxima da tua ação pode ser a de que deves fazer que os outros se sintam em dívida para contigo. Para saberes que valor moral tem a tua ação, vê que máxima te levou a fazer o que fizeste.
Não é difícil perceber por que razão precisamos de considerar os motivos do agente e não as consequências da ação. Kant descreve o caso de um comerciante que nunca engana os seus clientes. A razão é que ele receia que, se os enganasse, os seus clientes deixariam de comprar na sua loja. Kant diz que o comerciante faz o que está certo, embora não pela razão certa. Ele age de acordo com a moralidade, mas não devido à moralidade. Para descobrir o valor moral de uma ação, temos de ver por que razão o agente a realiza, o que as consequências não revelam.
Se o comerciante age aplicando a máxima "Sê sempre honesto", a sua acção tem valor moral. Todavia, se a sua ação é o resultado da máxima "Não enganes as pessoas se é provável que isso te cause prejuízos financeiros", ela é meramente prudencial, e não moral. O valor moral depende dos motivos e os motivos são dados pela máxima que o agente aplica ao decidir o que fazer.